Conceito jurídico
O contrato é tradicionalmente conceituado, sob o ponto de vista jurídico, como um acordo de vontades que produz efeitos jurídicos.[11] Tal definição foca no aspecto voluntarista do contrato,[12] isto é, o contrato tem como pedra de toque um acordo de vontades,[13] acordo esse fundado na autonomia da vontade dos contratantes.[11] O contrato, portanto, depende de pelo menos duas manifestações de vontade para sua formação, sendo por isso definido como um negócio jurídico bilateral.[14][15] Como um acordo de vontades que visa à produção de efeitos jurídicos, não basta a mera vontade dos contratantes: esse acordo deve observar a ordem jurídica, sob pena de não produzir efeitos legais.[16] Esse conceito de contrato tem uma larga amplitude, abrangendo acordos de vontades variados, como por exemplo, o casamento, que sob essa visão é visto como um contrato.[16][17] São também contratos, nesse entendimento, variados institutos típicos do direito de família além do casamento, como a emancipação, o divórcio, dentre outros, bem como figuras do direito das sucessões, tais como a aceitação da herança testamentária.[18] Do mesmo modo, são também contratos os acordos de vontade firmados pela Administração Pública direta, comumente chamados de contratos administrativos ou contratos públicos,[16][17][19] os acordos de vontades celebrados entre Estados nacionais e organizações internacionais (tratados internacionais),[19] bem acordos de vontade que têm como objeto uma relação contínua de trabalho (contrato de trabalho).[20] Por sua amplitude, esse conceito é denominado por Arnaldo Rizzardo como um “superconceito”, por ser “aplicável em todos os campos jurídico jurídicos, e, por conseguinte, tanto ao direito privado como ao direito público, e inclusive ao direito internacional”.[19]
O contrato pode ser também conceituado de uma forma mais restritiva. Conforme se adotam mais elementos em sua concepção, mais restrito se tornará o conceito. Em limitação a definição acima, o contrato pode ser conceituado como um negócio jurídico bilateral de direito privado.[19] Nessa visão, excluem-se do conceito de contrato os acordos de vontade regidos pelo direito público (os contratos administrativos), pelo direito internacional (tratados internacionais), pelo direito do trabalho (contrato de trabalho), etc, só sendo considerado contrato aquele acordo regulado pelas normas de direito privado. Continuam sendo contratos institutos como o casamento, o divórcio, a emancipação, etc.
O Código Napoleônico, ainda hoje vigente, define o contrato como “acordo pelo qual uma ou várias pessoas se obrigam, perante uma ou várias outras, a dar, fazer ou não fazer algo”.[nota 1] Para essa definição, o contrato é acordo que produz um tipo específico de efeito jurídico: a criação de uma uma obrigação, ou seja, uma relação na qual alguém passa a ser obrigado a cumprir prestação pessoal para outrem.[21][22] A figura, portanto, fica restrita ao campo do direito das obrigações.[20] O conceito trazido pelo Código Napoleônico previa que o contrato seria um meio apenas de criar obrigação, mas não de modificá-la ou extingui-la, papel que seria reservado às convenções.[23] Essa distinção acabou por restar superada, sobretudo com os estudos de Savigny, que afastou a distinção entre contrato e convenção.[24] A posição de Savigny foi consolidada no Código Civil italiano de 1865, que prescrevia que o contrato teria como finalidade “constituir, regular ou dissolver um vínculo jurídico”, não se diferenciando o contrato de convenção.[23]
Para a maioria dos autores, toda obrigação tem como conteúdo um objeto de valor patrimonial. A prestação que caracteriza a obrigação, portanto, é constituída de patrimonialidade.[25] Disso resulta que o acordo de vontades só poderá ser conceituado como contrato se seu objeto puder ser suscetível de valoração econômica,[20] isto é, convertido em um valor econômico.[25] A necessidade da patrimonialidade como requisito para a formação de um contrato foi expressamente prevista no Código Civil italiano, que define o contrato como “acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica patrimonial”.[nota 2] Esse conceito tem ampla aceitação entre autores brasileiros,[17][18][26][27][28][29] que apontam que o direito brasileiro exige que as prestações previstas em um contrato sejam economicamente apreciáveis.[27] Sob essa visão, o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial.[26] Essa definição exclui do conceito de contrato o casamento, acordo de vontades de natureza afetiva e não patrimonial, bem como as demais figuras do direito de família.
Alguns autores apontam outros elementos essenciais do contrato, como a existência de interesses contrapostos, mas harmonizáveis,[30][31] e a igualdade jurídica entre os contratantes.[20] Diz-se que num contrato os interesses dos contratantes são contrapostos, pois um dos contratantes quer a prestação e outro a contraprestação.[32] Dessa forma, não seria um contrato o acordo de vontades no qual o interesse das partes é comum, e não antagônico. Um consórcio público não seria, portanto, um contrato, já que essa figura se caracteriza pela busca de interesses comuns dos partícipes.[33] A legislação brasileira, contudo, classifica os consórcio públicos como contratos, posição controvertida entre os estudiosos do tema.[34] Tampouco seria um contrato uma sociedade, na qual se identifica os mesmos interesses entre os sócios.[28]
Sob o influxo do segundo requisito (igualdade jurídica), os contratos públicos não seriam contratos, já que nesses o Poder Público tradicionalmente atua com seu poder de império, estando o particular sujeito à vontade estatal. Pode o Estado, no entanto, integrar relação jurídica em posição de igualdade com o particular; nesse caso, estará configurado um contrato.[20] A doutrina administrativista chama esse tipo de contrato de contrato privado da Administração, para diferenciá-lo do contrato administrativo, acordo no qual o Estado atua em posição de superioridade frente ao contratado particular.[35] Há autores, no entanto, que entendem que a figura do contrato só comporta um acordo de vontades entre pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado; acordos nos quais um dos pactuantes é pessoa jurídica de direito público, portanto, não seriam contratos, ainda que as partes estivessem em situação de equivalência jurídica.[28]
Por fim, o vocábulo contrato pode expressar ainda o instrumento em que se elabora o acordo de vontades. Nesse sentido, é o documento escrito em que o contrato se formou e pelo qual se prova sua existência.[36] Trata-se de uso coloquial da palavra, sem um rigor técnico. O que se popularmente chama de “contrato” é no direito denominado “instrumento”, que é o papel em que, por escrito, se fixa um ato ou se convenciona um contrato.[37] Fala-se, assim, em “instrumento do contrato” para designar sua base escrita.[38]